Mais uma vez disponibilizamos no site do fã clube um texto ainda inédito na internet de Nando! Ele faz parte do livro ‘M1TO – Rogério Ceni’ (2015) onde o cantor, São Paulino apaixonado, fala sobre a sua admiração como torcedor por Rogério Ceni, eterno goleiro do SPFC…
Confira abaixo:
Não consigo encontrar outra forma de escrever sobre Rogério Ceni que não seja a do meu ponto de vista de torcedor. Sem desmerecer seu início de carreira no Sinop, é impossível não associá-lo ao nome do São Paulo Futebol Clube. E foi nesses 25 que ele atingiu marcas memoráveis, conquistou títulos, bateu recordes, construiu sua reputação extraordinária dentro do futebol brasileiro (e por que não dizer mundial?) e dentro da história do time do Morumbi.
Sou um admirador de toda forma de transgressão do senso comum, de expansão dos limites, da superação de marcas, mas não apenas no sentido quantitativo. Me interesso muito mais pela alteração da qualidade, pela ampliação do modo de enxergar e praticar uma modalidade, seja esportiva seja artística ou profissional, ou mesmo aquela feita por diletantismo. No caso de Rogério, seus feitos juntam todas elas.
Para qualquer pessoa que goste de futebol, a figura do goleiro sempre foi cercada de mistério, uma escolha de risco que, pela própria função dentro de um time, é a mais perigosa, desafiadora; a que leva ao extremo os limites entre a glória e a desgraça. E não há história mais representativa desse paradoxo do que a de Rogério Ceni.
Sua incrível técnica embaixo das traves é notória. Não é a toa que manteve a titularidade em seu time durante tanto tempo. Seria redundante listar aqui as inúmeras conquistas de que participou como protagonista – as imagens deste livro ilustram isso melhor do que as minhas palavras. Bastaria citar apenas uma delas certamente a mais emblemática dessa trajetória vitoriosa: a portentosa defesa naquela falta batida por Gerrard, no título do Mundial de 2005. Ela sem dúvida faz parte do panteão das mais impressionantes intervenções feitas por um goleiro na história do futebol: é magistral, improvável, inacreditável, artística!…
E, como na arte, os parâmetros para comparação de jogadores são redutores, inócuos. A um sem-número de variáveis que atuam na realização de seus feitos. O futebol jogado nos anos 1950, 1970 não pode ser comparado ao jogado nos dias de hoje, isso sem levar em conta uma conjunção de fatores que vai desde a mudança das regras até a evolução da preparação física, a sofisticação tecnológica das chuteiras etc… O grande talento nunca é maior ou menor do que o outro: ele é simplesmente diferente, único. O gênio é atemporal, sobrevive ao passar das gerações. Seu legado ser registrada memória, cria a própria História.
A grande particularidade de Rogério Ceni não é apenas ter evitado gols (fator para o qual o não há contabilidade possível), mas também ter balançado as redes adversárias; nosso goleiro fez mais de uma centena de gols, batendo faltas… E pênaltis!!! Como distinguir a quantidade de vitórias que foram garantidas por suas defesas daquelas que contaram com seus gols? Impossível! Rogério Ceni é um mestre não só na habilidade com que emprega suas mãos, mas também na precisão mortífera de seus pés. Além de incontáveis defesas decisivas, fez gols que podem ser descritos como verdadeiras pinturas.
Seria impossível neste prefácio tratar da magnitude de sua trajetória profissional – me falta talento para tal empreitada -, acredito que não haja palavras que dêem conta da complexidade dos sentimentos que envolvem a paixão pelo futebol. As fotografias que vocês verão em seguida contarão com a legenda da memória afetiva de cada um – de partidas cujos lances tantas lentes registraram.
Mas antes de encerrar estes parágrafos há algo que ainda gostaria de mencionar. Nestes tempos, em que o futebol se transformou numa indústria artificial de celebridades; em que se misturou com a propaganda histérica do marketing, se distanciando da realidade; em que se dissolveu na mistura das culturas com o tsunami da globalização; em que se corrompeu seduzido pelas tenebrosas transações das fortunas das empresas multinacionais, a longevidade da carreira de Rogério Ceni defendendo um único distintivo ao longo de 25 anos é muito mais do que um verbete a ser consultado no livro de recordes; é um gesto impressionante e comovente de um tempo que, infelizmente, ficou pra trás. É por isso que nós, torcedores do São Paulo, passamos a chamá-lo de “O M1TO”.