Leoni – Letras, músicas e outras conversas – Nando Reis

Em 1995, o Cantor Leoni lançou um livro intitulado ” Letras, músicas e outras conversas”. Neste livro, Leoni faz entrevistas com oito artistas, focando em questões sobre composição, entre eles Nando Reis.

Confira alguns trechos da enorme entrevista que Nando lhe concedeu em 95. Leoni afirma que é a entrevista mais engraçada e sem freios do livro.

Letras, músicas e outras conversas – Nando Reis (parte I)

Nando Reis fala sobre músicas que os Titãs fizeram tentando que artistas consagrados as gravassem. Mas a ingenuidade era tanta que as histórias são muito melhores que as composições.

“O Ney Matogrosso ia gravar um LP – acho que era em 84, 85 – e a gente resolveu fazer uma música para ele. Como ele tinha acabado de gravar a música “Homem com H”, resolvemos fazer uma música naquele estilo, não percebendo que Ney Matogrosso naquele instante estava querendo fazer outra coisa e gravou “Pro Dia Nascer Feliz”. Então fizemos uma música absurda: (cantando) “Acredite se quiser / iô iô / acredite se quiser / eu já fui homem, já fui mulher / já fui Maria, hoje sou José” e tinha um refrão que era assim: “A serpente me mordeu quando eu era pequenino / nunca dói, nunca doeu / isso é coisa do destino / e quem não acredita / acho bom não duvidar / acredite se quiser”. E mandamos uma outra absurda que era assim: “N. E. Y. Matogrosso / N. E. Y. Matogrosso / eu sou o Ney, o Ney sou eu / eu sou o Ney, eu sou o Ney, o Ney sou eu / gosto de cantar por esse Brasil / fico alegre quando faz calor e fico triste quando faz frio / G. A. Y. Matogrosso / G. A. Y. Matogrosso / eu sou o gay, o gay sou eu.” (muitos risos) Mandamos, cara! Mas não era maldade, juro por Deus! A gente achava legal, engraçado, que o cara ia entender. Acho que não entendeu, nem sei se recebeu. (risos) Mas seria compreensível se ele tivesse compreendido aquilo como uma ofensa ou com uma coisa desrespeitosa”

“Eu fiz uma música pra Fafá que fui levar na casa dela. Fizemos num hotel e terminamos num táxi indo para um playback. A música chamava “Robusta”: (risos meus, muitos risos) (cantando) “Minha beleza assusta / sou forte, sou bonita / Robusta / minha beleza assusta / sou forte sou bonita / eu sou robusta / sou a correnteza, tenho a certeza na mão / no sol de verão / se for preciso levar as pedras pro topo do morro / eu posso levar / se for preciso gritar pedindo socorro / eu posso gritar / oh, pátria amada, idolatrada, salve, salve / ô, ô, esse chão tem um nome / e merece respeito / à uma criança com fome e eu entrego o meu peito / a minha beleza assusta”. Achava aquilo genial, entendeu? A gente via o que as pessoas eram e achava que podia caracterizar aquilo com uma canção. Fizemos uma música pra Joana toda com duplo sentido. Uma bosta de música. (risos)”

2) Nando fala sobre como compor para os Titãs era uma camisa de força. O estilo de canção minimalista, encabeçado por um poeta como o Arnaldo, era a antítese do seu, naturalmente verborrágico e barroco. Mas competir com o talento de um letrista desse nível dentro da banda era impossível e sufocante.

L.- Você fazia outras coisas fora as músicas dos Titãs?

N.- Nessa época acho que não. Eu estava completamente paralisado com essa questão de escrever e compor. Compunha muito pouco. E pros Titãs, sempre em cima da hora. Fazia mais pela vaidade. Como achava que não podia ter um disco sem música minha eu fazia. Mas, por causa do toque do Marcelo, resolvi tomar uma atitude. Eu tinha na minha casa uma pasta enorme com as coisas que eu escrevi na adolescência e senti a necessidade de me reencontrar comigo mesmo. Sentei durante vários dias, li tudo aquilo e fui fazendo uma compilação de trechos bons e interessantes. Porque com os Titãs eu aprendi a não ter pudor nenhum. Se eu tinha um ótimo texto que não prestava pra nada, pegava uma frase daquilo, juntava com uma outra de outra coisa e, talvez, aquilo se tornasse uma coisa útil. Então eu peguei meus próprios textos e fui fazendo uma colagem. E fiz isso aqui (mostrando um caderno) pra reencontrar a minha linguagem. Eu estava bastante enferrujado mesmo, muito travado, a autocrítica atrapalhando.”

“A gente sofria influência mesmo, aprendia, conversava, fazia coisas parecidas com as do Arnaldo. Só que tenho outro estilo de escrever. Eu gosto muito de adjetivos, eu sou muito mais barroco, vamos dizer assim. Comecei a me empenhar em fazer com que isso virasse alguma coisa. Eu gostava do que fazia, então precisava apresentar a minha pessoa com mais substância em forma de música.

A partir daí comecei a fazer muita música sozinho, escrever muita coisa, e fiz esse longo texto aqui. Esse é um caderno importantíssimo! Eu andava sempre com ele e com uma pasta com uma porrada de coisas e escrevia bastante. Percebi que isso poucas vezes foi utilizado, quase nada daquilo virou música pros Titãs. Uma tentativa de adaptar os meus textos para a banda foi no Õ Blesq Blom com o “Racio Símio”, que originalmente era um texto de quatorze páginas. Ficamos, eu e o Marcelo, cheirando uma noite inteira e fazendo frases que eram pequenos ditados com inversão, com duplo, triplo sentido, engraçados, meio picantezinhos. Daí comecei a fazer grandes letras e a compilar depois pra tentar obter um núcleo que virasse uma música. “Racio Símio” é assim. É mal acabada, tenho críticas, tinha na época já. Mas, mais uma vez, eu não tinha muita coisa pra mostrar e levei essa.”

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