Nando Reis e o XV de Jahú

No último domingo de julho, dia 28, Nando fez um emocionante show em Jaú/SP que contou com a participação de seus filhos Theo & Sebastião, os 2 Reis. Durante a apresentação ele falou bastante sobre sua relação com a cidade, o que causou muita emoção entre os jauenses, que se manifestaram carinhosamente nas redes sociais.

Acompanhando estas mensagens, lembramos de um texto publicado por Nando em 2009 no jornal O Estado de S. Paulo e também em seu site oficial, onde ele escreveu justamente sobre esta relação. Leia abaixo e conheça um pouco mais do nosso poeta…

Confira abaixo o texto de Nando:

Fim de semana passado estive em Jaú, visitando meu pai. Seu pai e sua mãe nasceram ali, assim como ele. Meu pai hoje mora na casa que foi a sede da antiga fazenda Frei Galvão, assim batizada como uma homenagem a minha avó, descendente do nosso primeiro e único santo. Era lá, durante os anos70, que se produzia a manteiga e o leite que foram vendidos na cidade. na embalagem, ilustrando o nome da marca caseira e familiar, uma imagem do frei desenhada pelos punhos de meu próprio pai. Os produtos conservavam o frescor e a pureza que a canonização futura veio a certificar com legitimidade e surpresa. Leite e´o alimento santo que vitaliza a humanidade nosso corpo profano, imperfeito e pecador. A manteiga é a materialização de nossa natureza engenhosa – transformar sem nunca desperdiçar, exercício que demonstra humildade e consciência de nossa própria degradação. Depois do pecado original parte da civilização se desenvolveu em cima dessa idéia corretiva: melhorar que possível, o que está ao nosso entorno já que a alma foi definitivamente maculada.

A fazenda que foi comprada por meu avô nos anos 50 viveu seu apogeu graças ao café. O lindo terreiro ainda guarda assentado na memória horizontal e ocre de seus tijolos a beleza e a pujança dos grãos beneficiados. A geada de 75 pôs fim ao ciclo vitorioso e o declínio se insinuou sem que a minha ingenuidade adolescente se desse conta da gravidade. Muito do que sou é pelo que ali vivi – nos Canaviais ensandecidos dos bailes do Caiçara à poesia Souzândrade que lia pendurado nos galhos do velho abacateiro brotado quase no fim do pomar, me fiz. E o barro vermelho da terra roxa ainda permanece grudado, mesmo que invisível, na sola dos meus sapatos.

Proseando no terraço rodeado de bouganvilles, eu e meu pai passamos a tarde percorrendo assuntos inevitáveis? a origem da fazenda que acabou por puxar a história de outra anterior e fundamental – o Tucumã e o relato de sua divisão; os ancestrais e o primeiro e patriarcal Cassiano: a crise de 29, a ida pra Duartina, a volta para Jaú, a aquisição das terras, sua expansão, sua estagnação, seu declínio, a morte de meu avô; falamos da importância da permancência dessa fazenda, e mesmo que fracionada, como posse de nossa família. Mas tudo entre nós sempre acaba desaguando no futebol. Falamos sbore meu avô e a construção do Pacaembu/ sobre o atleta que foi meu pai, corredor de 110 metros com barreiras, defendendo o azul e amarelo da Poli ou as três cores do São Paulo. E falamos também sobre os tempos de glória do XV de Jaú, da construção das arquibancadas de madeira do Zezinho Magalhães.

Foi nesse momento que meu pai interrompeu a fala e apontou para o céu tingido que por trás de mim simulava o milagre da Criação: “Olha que pássaro grande!” E quando pudemos acertar os onteiros de nossos olhos com a paisagem da ave pousando no galho da enorme seringueira crescida nas costas da capela, identificamos o casal de tucanos. Sim, um par de tucanos estava parado ali na nossa frente! Encantados com a ilustre e rara presença das aves, silenciamos diante da imagem restauradora. De repente, junto daquele par de bicos alaranjados e ocos, tudo se refez: o café brotou na lavoura, a cachoeira se encheu de gado e os baldes derramaram leite; a manteiga suavemente se esparramou sobre o pão saído do forno e o relógio imenso de desporporcional voltou a funcionar: sussurou no ar um suspiro, o beato antigo. Naquele conciso minuto enquanto os tucanos brindavam com sua improvável harmonia, ouvimos a voz rouca de meu avô gritar novamente um gol do XV de Jaú!
Nando Reis, 07/01/2009

4 comentários em “Nando Reis e o XV de Jahú”

  1. Muito bom , a velha prosa com o Pai , coisas boas que a vida do interior nos proporciona. E acho que daí sai muito mais histórias…rs… . Parabéns.
    E quanto ao show em Jaú foi sensacional como sempre são os seus shows só que um pouco mais acalorado.

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